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A DESFAÇATEZ POLÍTICA

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

As vezes se torna impressionante a desfaçatez do processo político eleitoral no Brasil. E impressiona a rigidez como se apela para a democracia e suas exigências para que todos, ou muitos de nós, possamos nos submeter aos seus fundamentos como esperança que Deus não nos abandonará de um amanhã melhor.

Uma das coisas da qual se faz piada é sobre a Lei de Fidelidade Partidária. Tal Lei exigiria de qualquer filiado, com ou sem cargo eletivo, um conjunto de regras a serem seguidas caso mudasse de partido político por qualquer motivo. Por exemplo, poderia passar um tempo de vacância partidária de 120 dias, ou não poderia acessar a cargos eletivo ou seletivo (como os “de confiança’].

Mas tudo é um faz de conta. Até mesmo porque partidos políticos, em nosso caso, são apenas e tão somente agremiações de interesses particulares e não de representação coletiva. Mas encaremos a Fidelidade de frente: se você for filiado a um partido e resolver migrar para outro partido qualquer, qual o problema que poderia enfrentar? Somente se você tivesse mandato poderia sofrer alguma “danação”. Como poucos, ou muito poucos dos filiados estão em mandato eletivo, descanse! Poucos lhe perturbarão.

Não bastasse isso, há ainda o “tempo purgatório da janela partidária”. Aqui, algum tempo antes do período eleitoral, qualquer filiado com mandato pode mudar de partido e tudo bem. Não há mais motivação para manter as condições pelas quais foi eleito. Então, para que serve a Lei de Fidelidade Partidária? Apenas para tolos!

Caso se siga parte da literatura de ciência política e sociologia política com um lapso de rigor, se verificará que não há “Partidos Políticos” propriamente ditos no Brasil. Isso ocorrerá com o Partido dos Trabalhadores nos esperançosos idos de 1980. O que temos são organizações privadas, de autorregulação, com estatuto próprio e formalmente inscritos no Tribunal Superior Eleitoral. Em nada equivalem a conteúdos programáticos ou formação ideológica mínima, mesmo as mais genéricas. Não há nenhum equivalente a representação de interesses coletivos. Os interesses são privativos.

O que criamos em nossa cultura foram os ajustamentos de “proprietários do poder” com sua capacidade de ignorar a sociedade (eufemismo para dizer “ignorar sua existência”, leitor), e de se apoderar do que é público como se fosse privado [patrimonialismo]. É claro que tudo que se argumenta ou se projeta sobre as operações “Lava Jato” são fundamentais para a revisão de uma nova república brasileira, mas todos os seus aspectos tratam do “ir além do limite” da desfaçatez. É corrupção clássica!

Para todos aqueles que defendem um ou outro pré-candidato, que se expõem em suas redes de whatsapp defendendo “este” com o dedo em riste acusando “aquele”, talvez seja melhor dar um passo atrás e deixar de ser um “esquecido político depois das eleições”. Talvez seja importante se colocar diante do “espelho da república” e verificar qual o seu papel e qual o seu lugar. Depois passar a procurar um candidato ou um grupo que possam criticar a desfaçatez e aprimorar o senso crítico, ou deixar de lado a escolha de um pela demonização de outro. Que sejamos capazes de criticar as regras que sempre nos subjuga e por nos deixarem de fora e capazes de procurar representantes que possam sangrar por nossas demandas.

Ou então continuemos a fazer o que sempre fizemos, brigar como sempre brigamos, insultar adversários como sempre insultamos. Dia seguinte que apelemos à graça divina, pela enunciação da intervenção das mãos celestiais para que, por atos de bondade dos espíritos, tudo melhore. Ou que fiquemos estarrecidos diante de alguma derrocada tão crítica quanto um terremoto devastador que nos imponha um inadiável recomeço.



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