A ESCOLHA, O VOTO, A CIDADANIA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Depois de finalizada a disputa eleitoral, onde não há segundo turno, parece que o estado é de ressaca. Vencedores e derrotados se acalmam, o triunfo grita nas ruas e os derrotados fecham as portas da disputa e se recolhem. Há um novo tempo no templo de Jano [Deus de duas faces, uma a olhar para frente e outra para trás].
Muitos colocaram o dia da eleição como a festa da democracia, momento em que o eleitor se faz forte e decisivo, soberano, julgador. De fato, o eleitor é o maior entre os homens e mulheres, o apertador dos botões dos próximos passos da caminhada. Como decisor é capaz de dar rumo ao tempo, de deixar para trás os intrépidos e denotar a um pequeno grupo as trilhas a seguir.
Os festejos ao eleitor, no tempo da política eleitoral, são o marco sensato e correto da disputa que tem dia para ser decidida. Candidatos a vereador que contavam mais votos do que eleitores podem até se imaginar traídos, mas o eleitor tem o poder de decidir o seu voto como propriedade pessoal inalienável. Cada eleitor, inclusive o candidato, só pode confirmar o seu próprio voto. O resto é promessa de político encarnada no próprio eleitor.
Mas a eleição não é a festa da democracia e não finaliza seus rumos. Ao contrário, a democracia estará sempre a se fazer, sempre incompleta, sempre esperando o dia seguinte para dar o próximo passo. Insegura, porque nunca é definitiva, se transparece em necessidades relacionais entre o público. Público que aponta sua incompletude e sua necessária mudança todos os dias. Mundo de mutantes políticos.
Democracia requer relação entre pessoas e se faz pela insatisfação, e não pela conquista. Se a festa da “democracia” se faz com eleições, tudo parece ter se finalizado e as escolhas são festas ao sabor dos jogos de cartas e dos coringas nas mãos. Não, a festa da democracia está sempre no dia de amanhã, dia que, ao se chegar nele, estará sempre no amanhecer seguinte. A democracia é para amanhã.
Só assim é possível se pensar em cidadania, agentes sociais com direitos e deveres que reconhecem nos outros aquilo que desejam para si. Se é meu direito é porque, antes, é direito dos outros. E se é meu dever é, antes, dever de todos. A cidadania é um espírito que nos envolve a alma e nos confunde como seres políticos indistintos.
A festa da democracia não é o voto, mas a cidadania. Voto é um rito de passagem que estabelece condutores e condutas. Cidadania é um sistema de direitos e deveres, de obediência aos benefícios coletivos, de projeção do tempo em semelhança, a despeito de toda desigualdade social que possa existir e de toda diferença entre cada ser da sociedade.
A cidadania respeita a diferença entre cada um e suas escolhas e por isso pode aceitar as eleições como processo “solitário” de decisão acumulada pela soma da seleção e preferencia de cada um. As escolhas individuais devem ser respeitadas como existência do indivíduo e guardar suas diferenças sempre como legítimas desde que não afetem a própria escolha individual de outros.
A cidadania, exatamente por aceitar as diferenças, tende a diminuir as desigualdades sociais e políticas, posto que somos integrantes de uma mesma junção. A cidadania é a força do conjunto, elege por maioria, mas sempre será para o dia de amanhã. Hoje ela já se fez. Amanhã é que é o dia decisivo. A eleição já acabou, a cidadania não tem fim.
Sugestão de Trilha Sonora: QUEM É VOCÊ
Artista: DETONAUTAS ROQUE CLUBE
Autor: TICO ANTA CRUZ
Álbum: A SAGA CONTINUA
Data de Lançamento: 2014
Crédito de Imagem: Pinterest