A FORÇA DO OPONENTE DENTRO DE CASA
A FORÇA DO OPONENTE DENTRO DE CASA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Toda e qualquer relação de poder político se traduz numa disputa pelo processo de decisão sobre os caminhos a serem seguidos e sobre o orçamento a ser destinado. Tudo isso organizado num combate iniciado pelas eleições e reinventado na gestão.
As eleições são lutas sem data para iniciar, mas com dia e hora para terminar. Nela os lutadores, ao mesmo tempo e no mesmo ringue, precisam disputar em pé todos os assaltos eleitorais com regras para não se perder a “elegance”. Um dependendo do desempenho do outro para organizar seus “golpes e contragolpes”. As eleições significam sempre vencer os outros.
Na gestão os oponentes são lutadores sem ringue e se aproveitam de qualquer situação, lugar ou circunstâncias para travar a disputa que sempre transcorrerá na eternidade do dia seguinte. Do ponto de vista do poder político, a gestão significa sempre vencer a si mesmo. Aqui “o inimigo é criado dentro de casa”: a capacidade de influenciar, convencer ou se contrapor ao “outro” está diretamente relacionada à fraqueza ou força desempenhada e representada por si mesmo. Muitas vezes com um pouco de “decadence”. Nessa guerra política, a eleição e a gestão estão fundadas na fraqueza de um que gera a força do outro.
Assim, quando de análise e interpretação dos fenômenos político-eleitorais, é preciso separar os não-erros dos acertos: uma coisa é não errar ou não possibilitar o crescimento do oponente, e outra bem diferente é considerar os acertos gerados que enfraquecem ou podem enfraquecer os opositores.
Eis porque podemos afirmar que o candidato Bolsonaro venceu as eleições contra o PT e não baseado em uma plataforma de gestão capaz de lhe gerar forças próprias. O elemento de combate não estava no futuro, mas no passado. Venceu pela fraqueza da legitimidade do PT enquanto Governo e pela temeridade de um amplo arco de associação de corrupção política. Ou seja, a condição de vitória eleitoral de Bolsonaro e os seus teve o caminho asfaltado pelo PT.
Transposta a eleição, o primeiro período de exercício governamental ainda se fixa na pavimentação “Governo PT” e está consumindo todo o período de expectativas de um “Novo Governo”. Esta etapa está a se evaporar no tempo e haverá a imediata necessidade de resultados próprios. Isso nos revela a urgência de que projetos governamentais de maior grandeza tenham que surgir brevemente como frutos do Governo. Quanto mais tardar a “Reforma da Previdência”, por exemplo, mais frágil será a potência “Governo Bolsonaro”.
Atualmente, temos uma Gestão repleta de buracos, cheia de incompletudes, que não consegue apresentar seus resultados como efeitos de mandatários e constrói sua fraqueza na mesma medida em que fortaleza seus adversários. Não bastasse seus ministros e suas bobagens incontáveis (seja em grandeza, seja em diversidade), não fosse suficiente as inaptidões no dia a dia com o Congresso Nacional (ainda que este se esforce pela velha-existente-atual política patrimonialista), para o Governo Bolsonaro está a escorrer pelos dedos das mãos o passado “Governo PT” como adversário que sustenta a caminhada governamental atual.
Em pouco tempo não será mais possível apresentar os idos petistas como elemento de sustentação para o Governo Bolsonaro do presente. Não poderá mais o Governo atual fazer pulsar o coração bombeando o sangue do corpo petista para viver e sobreviver. Em breve o Governo Bolsonaro precisará apresentar o seu corpo e seu próprio sangue como elementos únicos e mostrar e demonstrar sua cara e seu corpo como únicos.
Porém, o que se vê até o momento é um Governo sustentado pela grandeza pessoal de um pequeno grupo de ministros (que organizam a gestão da Justiça, Economia e Relações Institucionais), mas que desliza em curvas alagadas por comentários acusatórios, afirmações moralmente degradantes e disputas que se deflagram como incontinência pessoal e interna ao próprio Governo. A política de Enfretamento não será mais externa [contra o PT], mas interna ao Governo [contra seus erros e deslizes].
Com seus erros e deslizes o Governo cria, dia sim outro também, a força dos oponentes, a autoimagem de fraquezas, as justificativas que deslegitimam o orador-governo ao tentar vincular oponentes atuais aos elementos do passado, e a quebra de elos com o espírito sempre esperançoso e, por vezes, ingênuo do brasileiro. Os oponentes parecem estar a se encontrar pelas fragilidades do Governo.
Quando isso aconteceu em vários países, guerras e ameaças foram inventadas ou superdimensionadas para criar outro campo de luta. Isso justificaria, diante da própria fragilidade e baixa legitimidade, a urgência de um outro oponente capaz que restabelecer as forças do governante... Quando o oponente foi criado dentro de casa, então “perdeu a pose”...
Sugestão de trilha sonora: Lobão - Decadence Avec Elegance
Crédito da imagem: Sem pé nem cabeça / Google Imagens
Fonte vídeo: YouTube