<< Voltar

A INSUPERÁVEL DUREZA DO SER

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

São as formas de organização do poder político que possibilitam a criação de existências democráticas respeitáveis pelos próprios usuários e produtores de democracia, seja no cotidiano e em sua razão prática, seja no longo prazo e na estabilidade institucional. Cada um de nós é responsável por essas configurações, mas com limites muito diferentes dos que dirigem os postos de representação e do poder políticos. As responsabilidades destes últimos é diretamente proporcional às cobranças e julgamentos dos que devem ser representados. São essas as operações da República como forma de organização do poder e da aceitação de críticas e divergências.

A República é criada para combater a Magna Latrocinia [os governos injustos] conforme Santo Agostinho. Logo após, na Idade Média, a organização do poder político se baseara na junção de Império e Igreja para se conseguir, no plano terrestre, as condições de organização da vida no plano celestial: plenitude em paz e justiça. Eram os ungidos por entes superiores que poderiam ter a capacidade de traduzir as leis celestiais para o plano das vidas comuns. A vida melhor, justa e pacífica era justificada pelo necessário sofrimento salvador.

Foi no fim da Idade Média que se reagrupam os interesses pelo Renascimento da República. A primeira medida foi a secularização da política, a separação entre política e religião. E o Direito de Governar passa a ter origem em eleições e fundado na representação do povo, contraposto a regimes baseados na violência [tirania] ou no direito hereditário [monarquia].

A Constituição [ato de estabelecer e símbolo da organização legal-social] é o fermento das receitas que fazem crescer a República. É a Constituição que estabelece a forma da República e a faz crescer. O Direito – o operador constitucional – é o contrapeso da vontade individual pois as leis servem [ou deveriam servir] para todos indistintamente; e todas as individualidades são garantidas na forma relacional das imposições legais. Ou seja, é a Constituição que garante a possibilidade das influências recíprocas entre as individualidades, limitando as vontades instintivas de cada um. E isso é ainda mais precioso quando se fala de gestores públicos cujo dever é representar as vontades coletivas dentro dos limites das leis. A autoridade é definida pelo cargo, enquanto o autoritarismo é elemento da vontade individual.

Eis porque uma República precisa ser estruturalmente estável. Uma Constituição que não consegue dar à República a forma de sua existência, que está sempre em debate e em permanente revisão; que não estabiliza os meios relacionais das individualidades é a parte mais crítica da existência real do poder político. Um bolo com ingredientes incorretos, em doses desproporcionais, de uma receita sem precisão. Uma Constituição frouxa, sem conexões radicalmente definidas, com a Suprema Corte [que tem a função de estabilizar as leis e as pretensões individuais] sempre a debater princípios na base de formação de maiorias ocasionais [como a prisão em segunda instância], como se fosse o Parlamento [este tem a função de atualizar as leis para os contextos de longo prazo].

Por princípio, a República somente poderá existir num padrão de semelhança relativa entre as individualidades [definição de território], e sempre em busca de uma relativa igualdade política entre os membros [ao contrário da monarquia que se funda na diferença entre nobreza e plebe]. As leis que a compõem desde sua formatação até sua razão prática, são expressão da vontade popular [na monarquia são resultantes da vontade do rei, e na tirania o déspota governa por decretos de ocasião e improvisados]. É a virtude institucional da República que embala a contraposição das vontades individuais e dos interesses particulares [na monarquia é a honra da nobreza, e no despotismo é o medo].

A República é o único modelo que necessita que o poder se origine das pessoas, de baixo para cima, organizados pelas leis que limitam as vontades e os interesses que não sejam coletivos e comungados. Não há República sem estes princípios e não poderemos ser democráticos quando o maniqueísmo do bem e do mal é a razão prática das coisas e das relações sociais. Neste caso o comportamento é despótico, baseado em iluminados pela verdade, ou definido por crianças crescidas que tem na sua instintiva vontade os traços de sua imaturidade política.

Para a República brasileira vir a ser ainda falta muita depuração no tempo para as instituições e nas pessoas em sua insuperável dureza do ser.

 

 

 

 

Sugestão de trilha sonora: 

Um Trem Para As Estrelas

 

Artista: Cazuza

Álbum: Ideologia

Data de lançamento: 1988

 

https://www.youtube.com/watch?v=jIfnjU0nXcU

 

 

 

 

 

 

 

Fonte de Imagem: magna latrocia, leviatano - Google Imagem

Crédito Vídeo: Youtube



Assine nossa newsletter

Insira o seu e-mail e receba novidades