BRASIL DE GOLS, HERÓIS E CULPADOS
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
O tempo da política, da crítica social, de um governo fraco e torcendo para janeiro chegar está suspenso. E isso é parte de nossa identidade social, é um corte de nosso traço de ser brasileiro. Tudo agora é pura emoção, por frustrações, por conquistas ou por desânimos que nos contaminam. Cada um tem o que dizer sobre os jogos de futebol, sobre os jogadores; os jornalismos estarão a cobrir a antecipação dos jogos, os treinos, os responsáveis, os erros de jogadores e juízes. O mundo de cada um agora discorre sobre copa do mundo e tudo o mais vai parecer secundário.
Torcida, jogadores, juízes cumprem papéis sociais fundamentais para desenhar o que somos e quem somos e como somos. Jogadores representam nosso heroísmo e nossa desgraça a depender de resultados. É no talento individual que o jogador é o melhor, que “dá a vitória para o país”, “que desequilibra”. Isso não é tratado como individualismo, mas como “capacidade individual”. E isso é representativo de nossa luta social, na qual, dia a dia temos que driblar os adversários, superar as faltas que sofremos e tentar alcançar nosso objetivo.
Como torcida usamos as diretrizes de poder decidir o bom do ruim, de reclamar ou exaltar, de xingar com as mais “duras” expressões ou “delirar” pela mais bela jogada. E isso só pode ocorrer ali, naquele momento e naquele território. Finalizado o jogo o tempo e as coisas vão tomando seus espaços, mas com restrições. Prevalecerá uma combinação entre vida comum e condição especial da “copa do mundo de futebol”. Como torcida tudo se pode e tudo se sabe, a despeito dos especializados homens e raras mulheres que apresentam as expectativas e avaliam os resultados.
Os juízes são reconhecidos pela sua aparição no jogo, especialmente se houver “erro” de qualquer natureza, exigindo-se de seus atos componentes de um super-humano. O juiz cumpre a função de limitar ou punir atos reconhecidamente indevidos e, se acaso intoleráveis, excluir do convívio do jogo àqueles que infringirem as regras por repetição de erro ou por incorrer em comportamento inaceitável ainda que seja por um único e violento instante.
Perderão tempo todos aqueles que tentarem incutir comparações sociais e políticas entre os países ou tentarem apresentar as mazelas nacionais porque ante o envolvimento emocional que isola a aceitação do mundo cotidiano da vida, vale o que se tem como futebol o Brasil. Somos brasileiros porque é o “brasil” que está jogando e tentando vencer os adversários. Jogadores e comissão técnica são “seres especiais”, para a exaltação ou para a condenação.
A vida cotidiana sofrerá uma suspensão e nada haverá de eleições, de política, de governo, de violência social... Ainda que tudo aconteça como sempre, não conseguiremos observar como sempre tudo o que acontece.
Novas prisões de políticos ou empresários ou intermediários nos processos decorrentes da Lava Jato não será sentido da mesma forma; decisões políticas do governo não serão assumidas da mesma forma; escolas e empresas farão adaptações em seus calendários; nosso cotidiano terá como pauta principal jogos e jogos e jogos, ainda que seja para recriminá-lo.
Não há o que fazer: são valores sociais que nos caracterizam como “brasileiros”, que amplificam o “hino brasileiro”, que emocionam os olhares para a “bandeira nacional” que nos tomam como viventes. E assim caminhamos como brasileiros. Da ordem e progresso para “VAI BRASIL"
Crédito da Imagem: Copa do Mundo - Brasil, em 2014. Foto: CBF/Ricardo Stuckert