CIDADANIA: REPRESENTANTES COM REPRESENTADOS
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Aos leitores: não há neste artigo quaisquer juízos de valor com referência à política, apenas esforço analítico sobre os tempos políticos atuais. Compreender é procurar entender.
Nos que se dizem de “Esquerda” ou de “Direita” há, por certo, um posicionamento relativo a valores sociais imediatos e não a ideologias políticas. Para que tenhamos Ideologias Políticas é necessário a existência de Utopias, um ideal de sociedade. Mas ainda caminhamos sem nenhuma aproximação, mesmo que leve, de um sistema ideológico bem definido ou de um ideal de sociedade a ser perseguido.
Nos últimos tempos temos tentado ajustar a caminhada por dois trechos cheios de buracos e com falta de sinalização. De um lado tentando fazer reformas estruturais [todas de revisão constitucional] para que as condições públicas não sejam levadas a catástrofes, como é o caso da Reforma Previdenciária; de outro lado, estamos tentando acertar as linhas institucionais de combate à corrupção política [quase todo exercício relevante do STF e seus Magníficos Magnânimos Ministros] e aos privilégios pendurados na Constituição como direitos adquiridos [para quem recebe, e peso tributário para quem paga].
É impressionante o fato de os eleitos [Prefeitos, Vereadores, Deputados...] se tornarem os donos do poder e da representação dos interesses políticos, sociais, morais. Por estarem eleitos se acreditam como os proprietários dos cargos e tudo que falam e que manifestam é na primeira pessoa: “eu, eu, eu...”. No conjunto, ainda se apoderam de “cargos comissionados” que, ao fim e ao cabo, são cortesias para aliados de campanha e de partidos, aconchego a amigos, compensações por ajudas aqui e ali [alguns ajudados se encontram sob investigação judicial relacionadas a cargos públicos ocupados em tempos recentes... daí que...].
Os eleitos demonstram todos os dias, o dia todo, que representam suas ideias, sejam quais forem, e não as pessoas. Dizem o que querem, afirmam o que desejam, negam o que rejeitam... Sempre olhando para si mesmos. Não há ninguém fora dos templos políticos que possa ser lembrado. O voto serviu para lhes colocar no cargo de poder e não para representar os interesses coletivos.
Fonte de inspiração à corrupção material e ao espírito personalista, a conduta de dono do poder se assemelha às Capitanias Hereditárias: governada como província pelo Donatário, explorava ao máximo seu prestígio e poder soberano do cargo; as leis e punições fazia para si e de acordo com suas razões. Sob a sombra do monarca, assegurava-lhe os tributos e assegurava-se à aristocracia. Combinava-se, assim, ao composto de Situação Política oportunista às necessidades do governante de hierarquia superior.
Numa “evolução duvidosa”, hoje às condições de Situação e Oposição são os registros mais fidedignos da “aura” política. A referência de posicionamento político se traduz no simples alinhamento ao detentor ocasional do poder, e não à uma construção ideológica de um ideal de sociedade. Não há, num regime municipal ou estadual, qualquer segurança em se afirmar a existência de Esquerda ou Direita, a não ser como acusação moral ao oposto de minhas opiniões.
O eleitor sempre será lembrado pela natureza do voto e não pela existência do cidadão e da cidadania. O Eleitor terá sua vez de monarca, apenas em período eleitoral, por ser o dono de seu próprio voto. Fora disso jamais será elevado ao posto de representado político [cidadão]. Depois de votar sua fortune política se desmancha no ar, escorre entre seus dedos, e o eleitor perde sua própria condição até ser chamado a um outro voto.
Nosso ciclo político precisa se reconciliar com a política como lugar onde o cidadão pode ser decisivo, assumido como importante. Numa criação política onde o eleito encontre suas vontades e seus interesses no fim da fila da cidadania, posto que representa, antes, todos os outros. Em termos ideais quem deve ser esquecido é o próprio eleito, e quem deve ser celebrado é o cidadão. A política deve ser o lar da cidadania, e para lá deve se dirigir. Sem isso, haverá apenas os eleitos, sem representados.
Música: Volte para o seu lar
Artista: Marisa Monte
Compositor: Arnaldo Antunes
Álbum: Mais
Data de lançamento: 1991
Crédito da Imagem: Pinterest