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CORES PARA DIAS MELHORES

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

A despeito de conquistas pessoais aqui e ali, quando olhamos para os últimos dez meses encaramos uma mudança no tom da vida. Vimos quão dependentes e necessitados somos das instituições sociais. São essas instituições, como vigas de uma casa, que sustentam “de pé” as condições de vivermos em grupos sociais.

Vimos o quão diferem educação e escola, saúde preventiva e tratamento de doenças, liberdade individual e relações com os outros, trabalho em casa e atividades engrenadas em escritórios e fábricas. A vida social apareceu em novas paletas de cores.

Tudo isso porque tivemos que lutar sem saber exatamente qual era o mal a ser combatido. Sem essa referência para o combate, a recomendação foi o isolamento, a separação. Álcool em estado gel, máscaras, distância, talvez tenham sido as palavras mais fabuladas e auditadas. O caráter de viver e orientar também veio à tona, emergindo em salto do fundo do lago. Cada um sabia algo sobre o mal que nos assombra ainda.

Eis que estamos diante da possibilidade de vacinas que ajudariam nosso sistema biológico de defesa e tudo pode ficar como lembrança da luta e saudades dos abatidos. O que por dias fora considerada “gripezinha”, o disfarce de pretender o erro político como boa intenção, que teria sido uma tentativa de acertar, chega na linha final.

O tempo, senhor de todos os sons e de todas as cores e de todos os destinos, não será cronometrado [cronos] como fim em dezembro e nem será uma transposição de escala para um salto qualitativo em janeiro. Mais do que isso, deixará um rastro de nossas tolices e aprendizados. O tempo, que nos transforma e passa por nós, que após entregarmos o bilhete ao condutor não nos haverá e, para depois, nem terá sido, nos oferta em vida a chance de vermo-nos em espelhos.

Encararmo-nos a frio o que somos nos permite pintar nossas pegadas e traçar novas telas. É pelo reconhecimento das fragilidades e pelas críticas [especialmente a autocrítica] que avançamos. Aos que estão sempre certos, àqueles que têm a verdade, o tempo não cederá perdão. Somente os tolos podem ter a verdade, que somente é sua e para si. Os tolos param no tempo e ele se vai.

Mas a verdade é um pacto social sobre as coisas e os comportamentos, pintada com pincéis e tintas e óleo e telas alteradas pelo tempo. Os pintores, as perspectivas, os pontos-de-fuga, os tons, as sobreposições são sempre retomados, refeitos, criticados. Não há outra razão para viver senão mudar. A vida que vale como existência é aquela preenchida por nossas relações sociais, nossos valores culturais. Reconhecer os passos para trás que damos é a forma mais eficiente de ser mais veloz do que a passagem do tempo.

O sol, que de tempos em tempos nos alvoroça mais cedo [alvoradas] e se prolonga na aparição da lua, traduz graças novas, vidas novas, sonhos novos. A vida somente vale a pena porque recomeça, se refaz. Não é o que fica para trás, é o que se refaz que é a vida. Viva, muitos vivas aos novos tempos com cores para dias melhores.

 

Sugestão de Trilha Sonora: ACRILIC ON CANVAS

Artista: LEGIÃO URBANA

Álbum: DOIS

Data de Lançamento: 1986

Crédito de Imagem: Pinterest



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