CRISES HUMANAS E COMPORTAMENTO SOCIAL
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Aos leitores: não há neste artigo quaisquer juízos de valor com referência a qualquer fato ou pessoa em especial, apenas esforço analítico sobre os tempos políticos atuais. Compreender é procurar entender.
Não é raro que, de tempos em tempos, enfrentemos problemas que colocam a nossa forma de vida em risco. Riscos, perigos e incertezas nos rondam como fantasmas a cada peste humanitária. Nosso jeito de ser, enquanto forma social e biológica, é posto em questão.
Diante da possibilidade de ser infectado por vírus ou bactéria, o ser humano passa a demonstra sua crueza existencial e, em contraponto, a sua necessidade altruísta. Em tempos de internet e de relações por meios virtuais, ficar num quarto se alimentando de telesseguidores poderia ser uma grande oportunidade de radicalizar a condição de existência.
Mas não é assim. Precisamos um dos outros em condições carnais. Não é possível amar sem o toque e sem se dispor a viver em nome de outro mundo distante do umbigo existencial. A corrida aos suprimentos alimentares é uma exposição de concorrência contra os outros; o uso de máscaras, originalmente para proteger os outros de nossos males transmissíveis, é pensada para que o usuário se proteja dos outros. Esses movimentos são importantes para expor quem e como somos.
Enquanto nos pensamos eternos, acordando como imortais, perdemos a elegância da finitude e o prazer do agora. Rebelamo-nos contra pessoas e coisas postando nossa grandeza eternizada em nossas orelhas e nosso orgulho e egoísmo em nossas narinas.
Epidemias nos trazem revelações importantes de nossas finitudes, de nossa arrogância e de nosso orgulho desmensurado. Como em “A Peste” [Albert Camus], os arredores da morte nos permitem sermos mais frágeis e incompletos. Como espécie que necessita viver em grupo e em associação, são processos incontroláveis que nos conduzem ao mundo de fragilidades. E, enquanto frágeis, nos vemos como semelhantes, posto que o incontrolável estará sempre acima de nós. Como fragilizados, nos endereçamos ao local de um lugar na natureza da vida, e não acima dela como sempre nos orgulhamos quando olhamos para dentro de nós.
Os vírus e as bactérias que nos fogem ao controle e nos permitem a insegurança existencial nos devolve o que a política nos tirara nos tempos modernos. Nascida para ser o modulador de nossa semelhança, a política passa a ser um sistema de controle e poder, pressão e violência. Em sua existência prática e longe de sua origem filosófica, a política exerce o poder de fogo de submissão e rebaixamento.
Se você recebe um convite para ir ao gabinete de um “poderoso-vaidoso-eleito” ou se algum deputado “traz emendas orçamentárias” como se fora seu protetor e seu beneficiário, então a política está a existir num mundo de enfermidades e estamos, há muito, em quarentena sem fim. Quem sabe, o antidoto, pela democracia, ainda possa ser criado.
Sem perceber, isolados e de quarentena, eleição após eleição, estamos a votar. A política está infectada e a democracia muito doente.
Música: Virgem
Artista: Marina Lima
Álbum: Virgem
Data de lançamento: 1987
Crédito da Imagem: Google imagens