DA FOME, DA MATA, DE INCERTEZAS, DE VAPOR
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Tem sido corriqueiro nos depararmos com posicionamentos de governantes que atuam como ilusionistas de ruas, como jogadores de pôquer que soltam ao ar livre incertezas e impulsos hedonistas. Este é o mundo das redes sociais: campo prodigioso em covardias, em ataques a pessoas e instituições; em lastro de mentiras costuradas e verdades em metades; sistema carregado de conhecimentos e difusão de ideias inovadores e revolucionárias como conteúdo.
Com a internet foram geradas as fakenews. Isso porque antes haviam elaborações que precisavam ser combinadas com outros, enquanto que agora basta uma única pessoa já que o meio é “livre ao uso” para quaisquer finalidades. As fakenews amadureceram um fenômeno que despertou a dúvida sobre toda e qualquer afirmação – se você não acredita é fakenews; e se você acredita pode ser fakenews.
Fez-se nascer um mundo de incertezas que faz recair sobre o leitor ou espectador a sensação de que tudo, absolutamente tudo, se dissolve em segundos. Já na Pós-modernidade tínhamos eliminado o futuro como algo sustentado por regras e tradições institucionais; tínhamos exposto o quotidiano como um mundo líquido, sem formato institucional, sem costuras pré-escritas; um mundo no qual o indivíduo passaria a criar conveniências para se ajustar às coisas e criar coisas convenientes para que se ajustassem aos seus desejos e ambições – um hedonista. O indivíduo, propriamente, deixou de ser uma integridade social para se compor como uma orquestra sem maestro e sem afinação; por vezes com instrumentos musicais, mas sem músicos, por vezes com músicos, sem instrumentos musicais.
Religião, tradição, regularidades sociais e políticas se deslocaram para todos os lados, perderam suas estruturas e instituições modernas que orientavam os comportamentos. Num novo processo civilizatório, as tecnologias de individuação [como telefone celular] deixaram nas mãos dos usuários o principal acesso ao mundo – não apenas como um meio de comunicação, mas como um meio de vivência. Qualquer input nesse mundo se perde no cosmo onde tudo se pode: qualquer coisa para infinitos resultados. Um mundo de incertezas, riscos e perigos e inverdades; um sistema cosmológico por onde circula informações, conhecimentos, virtudes.... Mas ali nada é seguro!
Para fora das redes sociais, como um gancho de sua ampliação, são colocadas as dúvidas sobre tudo o que se pode imaginar, posto que o indivíduo receptor é o deflagrador de campos e fundamentos de certezas e incertezas. Não sobreviverão como fundamentos de referência ao compromisso social e político, como símbolos consolidados de relações sociais, quaisquer métodos e tradições – científicas, filosóficas, religiosas ou de qualquer origem. Um período que combinado com crises de legitimidade política e social, passa a distinguir nossa sociedade como água em estado de vapor que nos queima os olhos.
Sendo esta a condição de convivência atual no Brasil, cujas crises de legitimidade política degenera o futuro como um planejamento com traços, mesmo irregulares, e constroem metas sem objetivos, torna-se suficiente arranjar inimigos e alinhar sobre eles a artilharia da guerrilha política: se não há para onde ir, havemos de lutar contra alguns!
Sofre, em demasia, a obtenção de um plano educacional; sofrem os tempos do método de investigação sobre desmatamento; se contorcem como cobras em dor a fome e os esfomeados [de batalhas consagradas pela pastoral da criança]. Não são apenas os governantes que exploram o mundo das incertezas, mas nossa própria dificuldade de pensarmos sobre o que nos acontece e nossa imprudência que nos empurra para uma ala da torcida que reage ao juiz com xingamentos em desacordo com os desejos pessoais.
Na política somos crianças lutando por um doce qualquer, sem um futuro para amanhã. Como infantes, gritamos e acusamos a tudo que não acolhe nossa vontade; apontamos os maus, gritamos e nos tornamos os justiceiros das leis e regras que criamos para o mundo e os outros. Chegamos ao ponto do hedonismo – cujo indivíduo considera seu prazer pessoal e imediato como condição de existência, início e fim de sua vida social e moral – numa grade celestial em que cada um é um mundo completo, e indeterminado, e correto, e justo: os outros que orbitem em torno de mim.
Tornamo-nos espectadores de espelhos, aos gritos e berros aos opositores de nosso desejo. Rebeldes, tendo a si mesmo como causa! Donos da razão sem pensamento, sem reflexão, sem tolerância, com fakenews. Assim como os ditadores!
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