ELEIÇÕES E ESTRATÉGIAS: QUANDO É A ÁGUA QUE MOLHA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
E começou o processo eleitoral municipal. Aquela eleição geralmente mais quente, mais passional, mais vigorante, com mais entusiasmo. Em época de transição política, período segundo o qual a meta é fazer coordenação de forças e rearranjo da caminhada [artigo anterior], essas eleições tenderão a ser mais “frias”. Apenas tenderão. Com o processo de distanciamento seguro, das conversas limitadas, dos encontros aligeirados, as discussões eleitorais produzirão conversas à distância, ainda que sejam presenciais.
Para muitos, as redes sociais serão o principal fórum de debates. Ali deveriam se travar os embates, as críticas, os xingamentos, as acusações. Só que... as redes sociais são meios e não fins. São os conteúdos das mensagens que definirão o conjunto de relevâncias e de mediocridades. O conteúdo que, organizado pela imagem, cor, posição de foco, entrada de luz, conceito de orientação da mensagem; pelo conteúdo expresso por escrito ou falado, pela métrica, pela escolha de verbos, pela empatia facial, vai sugerir a aceitação ou a revolta dos internautas.
As redes sociais são também a fonte de covardia. É fácil enviar uma mensagem brusca, violenta, desdenhosa, e sair para pegar uma xícara de café. Ou enviar um “bom dia” lastreado em uma imagem do nascer do sol e ser tomado por qualquer outro assunto das atividades cotidianas. São mensagens de um instante, que não acompanham o restante do dia. Depois de um “post” pode se falar sobre qualquer outro assunto e o mundo segue sem passado.
A política ou campanha eleitoral mediada pelas redes sociais, com a suspenção de tempo-espaço, precisará voltar ao chão duro. Como diz um amigo muito próximo, é preciso pisar no chão sem sapatos e sem meias para sentir a terra que nos segura. É ali que o conjunto se integra. Nas redes sociais a vida se desintegra em sites e notícias que chamam para outro “site”, que carregam outra “visita”, que abordam outros cenários, que leva para outras sensações. Quem manda ali parece não ser você.
A vida que se integra recorre aos valores e seus conteúdos, sua arquitetura social e sua lógica de encadeamentos emocional, racional, técnico, pela mecânica das seivas que correm em nossas veias. Na vida virtual, hoje fundante da civilização política, inevitável à existência social, poderá ser apenas uma tripa para se formar linguiça se não puder ser coordenada com valores sociais e argumentos, conceitos orientadores e cadencia literária.
Recolocar as pessoas em tempo e espaços “concretos”, como o pisar descalço na terra que nos sustenta, é a virtude reflexiva de uma vida de pensamentos bem firmados. É preciso sentir o vento que bate no rosto para saber do frio. As redes sociais nos incapacitam a isso, ainda que nos informem sobre a previsão do tempo, a temperatura e a possibilidade de chuva. O que molha é a água. Em estratégias eleitorais, não se pode deixar o dia passar, é preciso passar o dia.
Sugestão de Trilha Sonora: ROLAM AS PEDRAS
Artista: KIKO ZAMBIANCHI
Álbum: RETRATOS
Data de Lançamento: 2006
Crédito de Imagem: Pinterest