GARGANTA E PESCOÇO!
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Cada um de nós, pelo exercício da externalidade do mundo, parece só poder se olhar por fora. Graças aos bons tempos da modernidade, que por momentos da história nos dera de presente a esperança como triunfo, como oxigênio, como sentido à vida, passamos a acreditar em nossa própria infinitude! A busca do que somos é uma tarefa árdua, quase sempre dolorida, quase sempre de guerra intrapessoal. Valha-nos Deus os Psicólogos, os livros, as leituras, a preparação para olhar ao mundo que nos entorna!
O pescoço é o que nos alenta para a autodecoração. Do colo, do colar, do colarinho... nos devotamos para que os outros nos percebam como poderosos, fortes, potentes, belos. Camisas e ouros nos revestem como força, como poderosos, como intensos, como elegantes, como detentores de poderes sociais e materiais.
Mas é a gripe e o resfriado que nos dizem para além do colo, esta embocadura estreita da cavidade dentro do pescoço, que há mais do que decorações a serem exibidas aos outros como padrão de status e de conquistas. Rouquidão, cansaços, dificuldades para respirar, tosse, escarros transcendentes a cuspidas ou escorridos... demonstram nossa existência. A gripe e o resfriado são tão reveladores quanto colares e adereços decorativos de status. Sofremos com a ação de vírus minúsculos, impossíveis à nossa capacidade de visão. Para observar um vírus precisamos adulterar nosso mecanismo de visão com instrumentos que não temos embutidos em nosso sistema de sobrevivência. É como um ser humano com três braços e três mãos.
Por dentro exercemos a carga máxima do que somos. Vulneráveis, sem decorações, sem colares, sem colarinhos. Por dentro estamos desprotegidos de nós mesmos. Recorremos aos outros, culpando-os para nos proteger de nossas fraquezas e mediocridades. A garganta truncada pelos escarros diz que precisamos nos adaptar aos “males” com os quais convivemos. Mas é o egoísmo, esta conduta de que o meu ego prevalece e deve prevalecer sobre os outros, este estado mórbido de existência social, que me define como superior e proprietário de outra existência humana, como dominador da natureza que me entorna, que me entrega como presente a minha principal dor: os outros não serem como eu quero e determino que sejam!
Valha-nos Deus os Psicólogos, os livros, as leituras, a preparação para olhar ao mundo que nos entorna! A percepção de si é libertadora, é sorridente, é felicitadora, e nos conduz a caminhos de paz interna. Somos seres relacionais: vivemos impregnados, como forma de existência, ao que nos envolve [atmosfera e oxigênio, tempo e vida, vírus e resistência, ignorâncias e idiotices, poder e domínio, senhorio e escravidão!] O vírus, bicho que nos é naturalmente invisível [e a nós como humanos, não a eles mesmos e seus “compatriotas”] é capaz de nos dominar, provocar reações que colares de ouros e camisas de colarinho branco não podem nos defender.
Reconhecermo-nos como finitos, como falíveis, como limitados, como bobos, como insolentes, como feios, como fracos, como tolos, como mortais, nos seria libertador das clausuras provocadas pelo egoísmo, pela dominação, pelo poder que escraviza, pela prepotência que é derrubada pelo vírus da gripe ou do resfriado! Valha-nos Deus os Psicólogos, os livros, as leituras, a preparação para olhar ao mundo que nos entorna!
Sugestão de Trilha Sonora: WALK OF LIFE
Artista: DIRE STRAITS
Autor: MARK KNOPFLER
Álbum: BROTHERS IN ARMS
Ano de Lançamento: 1985
Crédito de Imagem: PINTEREST