INOCENTE, ATÉ A ÚLTIMA INSTÂNCIA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Num cenário de perseguição política, autoritarismo de Estado e ausência de liberdade de imprensa se justificaria proteger os mandatos de parlamentares e dos gestores executivos do Estado, como nos períodos ditatoriais. Ao alcançarmos condições políticas de imprensa livre, liberdade de expressão política, poder judiciário com condições de proteger os cidadãos, os mandatos eletivos protegidos viram privilégios.
No nosso caso, a proteção ao mandato se converteu em distorções antidemocráticas e não-republicanas. Não raro os períodos eleitorais abordam o detentor do voto como “rei”, como aquele a quem se deve programas e planos de futuro, esperanças e convencimentos. Tudo é endereçado ao seu bem-estar, ao mundo ideal, ao campo de lutas que serão vencidas por ele, sendo seu esforço somente o votar no candidato ideal.
Após as eleições e registrados os vencedores, o eleitor tem sua soberania substituída pelo “desprezo” de caráter político, pelo qual o eleito reivindica o fato de ser “representante” porque vencedor da batalha eleitoral e não porque deva levar em conta os interesses das pessoas. Ainda que esses interesses sejam opostos aos seus. Na verdade, não poderia existir “seu interesse” diante dos interesses coletivos. Dono do mandato, e não representante da população; representante de si mesmo, e não das pessoas. Deste ponto a romaria aos gabinetes de políticos para pedidos pessoais se multiplicam e se transformam no efeito mais ruidoso do antidemocrático e do não-republicano.
Agora estamos (estão) a decidir sobre o Foro Privilegiado. Uma condição que coloca uma “multidão” de políticos sob a prerrogativa exclusiva da Suprema Corte que passou a “funcionar” para instalar o Estado de Direito (como caminho para ser democrático).
Dois fatos são importantes aqui. O primeiro deles nos remete ao fato de que se houver condenação em segunda instância há grande probabilidade de ser decretada a prisão do réu. Essa é a importância principal para que somente em casos muito especiais que atinjam a estabilidade política da República e do Estado fique reservado o Foro Privilegiado. Portanto, Foro Privilegiado e Condenação com prisão em segunda instância é a combinação necessária para a crença em um Estado de Direito e em uma república que ainda está por nascer.
O segundo fato importante é que não se possa mais imaginar que alguém, após condenações consecutivas possa se integrar ao princípio de que seja inocente até que se percorram todas as instâncias jurídicas ou até que os crimes praticados se transformem em pó (a tal da prescrição).
Caso contrário, com ou sem Foro Privilegiado, nada mudará se a presunção de inocência serve como impunidade aos criminosos, desrespeito à população, desencanto do cidadão e severa antidemocracia. Continuaríamos com uma sociedade segmentada por privilegiados (muito ou pouco privilegiado, não importa). E do outro lado, todos os outros que pagam os privilégios. Adivinhe quem são?