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LÁGRIMAS RETIDAS

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

Com olhos grandes, magro e alto, era um pouco desengonçado. O equilíbrio do corpo fazia pensar o improvável. Rosto pequeno de semblante firme, mostrava sorriso fácil e, por muitas vezes, era a tenacidade de bravura. Era personagem de luta, de argumentos fortes e postura lógica. Temperamento árduo, doce, agridoce. Olhos grandes luminosos, sem inflexão de retina. Brincadeiras adolescentes, infantis, piadas incertas. Não sabia contar piadas. Em tudo, para a vida, se comprometera com a política do cotidiano: era o oxigênio para suportar e rir da maldição.

Era um dia de feriado, num verão de ares de vulcão [sol de deserto e sensação de eterno calor], sentado, com poucos movimentos, declarou sua vivência aos aprendizes da vida. “Em tudo há consequência, em tudo há efeito. Antes de agir, melhor é prever resultados possíveis e prevenir erros. O desejo provoca o ardor e o amor”. Sua paixão era a política de cada dia, aquela que acontece diante de si, que pode ser tocada.

Engolia mais a República ante o sabor da Democracia. Democracia era a aceitação da divergência e do contraponto. Não estava pronto para isso. Preferia insistir em suas preferências e convicções. Mas, do que é público, reinava um anjo mensageiro da República. Da lei e da moral, como um copo de suco combinado de beterraba e laranja, vinha a nutrição ao pensamento. Lutava pelos ideais da República e lutava contra a maldição do sanguessuga que só sabe sugar.

A República fora a propulsão dos seus olhos ilógicos, desproporcionais ao rosto, farol de seus desejos. “A República é regulada pela lei e precisa ser imposta com docilidade, e incorporada [ser feita corpo], contra a maldição dos autocratas da riqueza pública". Para o corpo continuava a lutar contra o sanguessuga que só sabe sugar. Sua inspiração, por sábio oriental, mestre dos viventes da vila, erguia-se pelo inconformismo do mundo que respirava e pelo inconformismo frente ao próprio corpo. Corpo ilógico.

A Democracia é a aceitação da adversidade, da diversidade, do contraditório, das diferenças. “A Democracia é aberta demais e precisa ser mais ampla sempre. A Democracia é o risco de aceitar o autoritarismo. Este precisa ser, democraticamente educado. Mas, por vezes, não há tempo para educar aquele que tem no armamento a liberdade”.

República, esta é lei, como algo que desaba procurando o centro do Planeta. É algo que se impõe. Democracia é aceitação. Uma [a República] é estrutura que fornece energia para a vida de pernas desengonçadas, que sempre vive a revoar num mundo ilógico. A Democracia depende da pessoa: precisa ser aceita como valor e agida como sangue que circula nas veias. Democracia é educação”. República é uma impertinência; Democracia é necessária aceitação. Juntas podem selar a fraternidade cristã e ateia. A luta é sempre contra os sanguessugas que só sabem sugar.

Uma única lição, imperfeita e ilimitada, que vagara pelas veias acentuadas num corpo magro, ilógico, desproporcional: a República e a Democracia. Lindo pelo bem que desejava, pela altura, num corpo sem músculos que pudessem sustentá-lo. Corpo ilógico, rosto desproporcional, riso de criança. Era um ninho de Curreca adornado de Vieira. Ilógico, estranho e desengonçado. Democracia e República, e vida, sempre lutavam contra os sanguessugas que só sabem sugar.

Meus eternos agradecimentos rolados em lágrimas retidas frente ao mundo.

 

Sugestão de Trilha Sonora: O VENDEDOR DE SONHOS

Artista: MILTON NASCIMENTO

Autor: MILTON NASCIMENTO e FERNANDO BRANT

Álbum: YAUARETE

Ano de Lançamento: 1987

Crédito de Imagem: PINTEREST



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