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LEGALIDADE INSTITUCIONAL E SENSO DE IMPUNIDADE

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Aos leitores: não há neste artigo quaisquer juízos de valor com referência à política, apenas esforço analítico sobre os tempos políticos atuais. Compreender é procurar entender.

 

Desde 1988 até o dia de hoje, talvez o período político mais crítico esteja relacionado ao processo de aprovação da presunção de inocência, a despeito das cargas de provas acumuladas sobre réus condenados em primeira, segunda e terceira instância jurídicas. Há um cheiro selvagem no ar, uma luta cujos instintos de sobrevivência prevalecem e a sociabilidade argumentativa perde território. A imagem gerada é de legalização da impunidade.

Entramos num momento histórico de luta pela punição de políticos corruptos iniciados pela “Operação Lava Jato”. Desde então, os símbolos de luta, a linha de satisfação e a crença numa sociedade juridicamente desenvolvida dera-se pela quantidade de políticos condenados e presos, pelas inúmeras delações, e pela recuperação de milhões e milhões de dólares, euros e reais. Tudo isso é prova provada. E isto nos remetera, certa vez, à possibilidade de solução de um conjunto de problemas ao desenvolvimento social e político.

A vitória eleitoral do agora presidente Jair Bolsonaro se deu neste lastro de luta contra a corrupção ou pela contraposição a corruptos. Por isso hienas e leões tinha uma razão de ser; não fora um erro. Bolsonaro recebeu um volume vitorioso de votos orientados pela catarse agônica de transformação social e política O voto foi ato de vingança institucional, sem nenhuma desordem de qualquer tipo. Não era um voto substantivamente ao candidato, mas contra os políticos que não se transformaram em necessidade popular. O Eleitor fez o Enfrentamento, voto a voto.

Das dificuldades apresentadas pela passagem da catarse [quando o velho já morreu e o novo ainda não nasceu], inclua-se as indicações de envolvimentos ilegais de membros da família do Presidente, de Partidos Políticos de base parlamentar [?] –, há cada vez mais elementos de fratura política e guerrilha partidária. Ninguém mais é capaz de se colocar fora do jogo para analisar as jogadas: cada um é jogador.

A transição, aberta pela Gestão Temer, não terminara e os obstáculos se acumulam. Dias atrás o STF faz, mais uma vez, a mudança de interpretação sobre a presunção de inocência ou sobre as possibilidades de prisão já em segunda instância. Do ponto de vista do Estado de Direito, da legitimidade institucional legal [aquele que planifica as regras de convivência entre pessoas e instituições] segue-se o talhado constitucional. Mas por que se mudam tantas vezes o entendimento sobre a Constituição? Da forma com está elaborada não serve? É imprecisa?

Do ponto de vista social e político, donde se originam a legitimidade cotidiana sobre as coisas e as pessoas, estamos a reforçar um sistema de problemas com baixa probabilidade de entendimento de sua forma final. O que se abre nesse jogo é a luta social e política entre lados da sociedade que, em guerra de posições, observa sua crença desmoronar em instituições que apontam, social e politicamente, protegerem a degenerescência democrática.

Ainda que seja estruturalmente legal, é gerador de posições capazes de aumentar a pressão política e a efervescência das tempestades. Se fosse só legalidade institucional, pois bem... Mas não o é! Estamos na acentuação do problema político e social, sem a disposição de tratar os ministros do STF de Sua Excelência Excelentíssima Mais que Excelente no Personalismo Excêntrico da Liturgia de Suas Santidades, das decisões monocráticas sem respeito a definições de colegiado, com requerimento de vinhos ultrassantificados para os ritos mais sacro-oficiais. Mas a Aristocracia Constitucional parece não se importar.

Parece mesmo que o que está a prescrever nesse embolo tempestuoso de movimentos flatulentos é a paciência da população. De uma democracia tão pouco experimentada desde a abertura. Se tudo já era intolerância, inimizades, vingança e xingamento, com desprezo pela democracia e pela cidadania, agora os contornos são mais ameaçadores.

 A bola está no campo do Congresso Nacional, e os jogadores são, ao mesmo tempo, o juiz. A torcida impaciente. E o jogo não tem tempo programado para o apito final. E a torcida impaciente.

 

Artista: Titãs

Álbum: Cabeça Dinossauro

Data de lançamento: 1986

Crédito da Imagem: Google Imagens



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