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NA SALA DE ESPELHOS, DECAPITADO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Fomos tomados, recentemente, pelos movimentos de defesa dos negros nos Estados Unidos. A morte de George Floyd é atribuída ao processo cultural racista existente na história e catalisado na atualidade dos Estados Unidos. Este padrão de agir, de sentir, de pensar e de regular a vida em sociedade também está encarcerado em nossos corpos e em nossas mentes de brasileiros. Como sociedade Somos Racistas! Como sociedade Somos Machistas!

Esta é a elementar atitude e o primeiro passo para se encarar de frente quem somos e como praticamos nossas vidas em grupos humanos, sem espelhos que distorcem imagens. Racismo refere-se a condutas que consideram a desigualdade como absoluta e incondicional, ou seja, que uma raça é naturalmente superior à outra independentemente de atributos sociais. Comportamentos e atitudes racistas seriam justificadas pela hierarquia natural [naturalizada] entre grupos sociais. Os exemplos mais singulares da história são aplicados aos negros [processos escravocratas] e aos judeus [antissemitismo], ou ainda, no Mundo Antigo, a oposição entre Gregos e Bárbaros.

Racismo é o condutor de marginalização e perseguição, seja política, social, religiosa, econômica, educacional... Observando nossa sociedade, é fácil detectar tais pré-conceitos hierarquizantes. Das novelas, cujas empregadas são mulheres e negras e que demonstram gratidão pela servilidade que lhe possibilita a convivência – ainda que subalterna – com padrões de elite branca; das diferenças no sentido da formação educacional, cuja ideia de vitória se demonstra no pulsar dos inferiores e o sentimento de caminho inevitável é dos superiores; dos cargos diretivos de grandes empresas...; do perfil de cientistas.... O Racismo passa pela formação política de um Estado Racista, na medida que incorpora esses valores.

Racismo é uma criação social, de valores políticos e de formação cultural. Transforma as diferenças existentes entre grupos em desigualdades sociais, em hierarquias de poder, em políticas de superioridade. Pelo racismo, as lentes que enxergam o mundo em volta aceitam que práticas religiosas sejam símbolos de primitivismos, que cor de pele seja inferioridade, que mulheres sejam frágeis, que capacidade intelectual seja atributo molecular de raça, que preferência por gênero musical seja elemento de supremacia.

Como sociedade racista, em todos os aspectos, nossos comportamentos de domínio e submissão são os tijolos e vigas de nossa própria estruturação. Tal qual nos comportamos do Dia Internacional da Mulher [Dia de Luta pela Democracia de Gênero e não momento de presentear mulheres pela condição de gênero] revelamos nosso machismo [homens e mulheres], e não conseguimos perceber os contornos racistas que nos afetam e que nos formam. Naturalizamos o mundo social e político.

George Floyd é, por nossa formação cultural, a representação mais cruel e perversa dos valores sociais que carregamos como válidos. Além da morte de um indivíduo, escancara, pela tela mais sensível, nossos graves problemas de convivência. Ir para as ruas e enfrentarmo-nos, enfrentar nossa própria insanidade social, pela dura realidade que construímos, é traçar um caminho de psicanálise social e política – alcançar nossa própria imagem, compreender-se, criticar-se.

Não falamos de um outro; gritamos aos nossos próprios ouvidos nossa vida preconceituosa. Combater as manifestações, tal qual o Presidente dos EUA, é quebrar o espelho que reflete o que somos, evitar o problema e responsabilizar terceiros pelos nossos medos medíocres. É como entrar numa sala de espelhos para evitar de se ver, já decapitado.

Assim, Presidentes não têm o poder da caneta, visto que caneta é instrumento. Presidentes exercitam o poder do Racismo, com caneta azul.

 

Sugestão de trilha sonora: ASSIM ASSADO

Artista: SECOS & MOLHADOS

Álbum: SECOS & MOLHADOS

Data de lançamento: 1973

 

Imagem: google imagens



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