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NO BALANÇO DA REDE

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Estava na rede, branca, de tecido confortável. A rede sustentava aquele corpo já adulto, de barba e cabelos brancos. Olhava para a rua em ângulo enviesado. O tempo era seu e era contado pelo rangido dos arcos de ferro que se fixavam na parede. O lugar era seu e se sentia seguro, confiante. Os amigos que passavam projetavam cumprimentos retidos: um leve balançar de cabeça, um aceno com uma das mãos, um sorriso de boa política de vizinhança. Era um domingo pela manhã, de sol e quente, embora no meio do mais úmido inverno. O mundo estava por ali, era palpável, físico e carregado de valores sociais e políticos como um caminhão daqueles grandes.

Perto dali um computador e a internet. Os amigos agora eram virtuais, mesmos os que já pronunciaram o convívio de co-presença. Os seguidores viraram coisa boa porque se supõe serem seus acompanhantes de concordância de ideias, mas nunca se poderá saber ao certo.

A despeito deste deleite, a internet fora o grande fenômeno transformador das vidas nos últimos 40 anos. Primeiro veio a esperança do alargamento da vida, aparentemente sem limites. Ao invés do carteiro, e-mails. Nos primeiros tempos, após gritos dilacerantes de acesso discado, alguém penetrava na vida soturna do infinito. A superação era enviar mensagens e, em curto espaço de tempo [comparado aos correios], receber respostas; então era enviar novas mensagens.

Passados alguns anos fora possível enviar fotografias seguidas de textos. Surpreendente!! Na passagem do tempo, as mensagens de áudio revelaram a necessidade de se tornar a disputa “tempo x Quantidade de tarefas” mais eficiente: escrever ficou obsoleto. Outro momento tornara possível enviar vídeos, imagens dinâmicas, conteúdos testemunhais. As filmagens faladas, fatos exclusivos dos programas de TV, agora alardeiam-se nas mãos dos mais indiscretos. De tudo se grava e se envia: em segundos se tornam velharias e esquecimentos.

Com a internet, o tempo físico deixa de existir e o espaço é órbita sem ponto de chegada. Como uma aventura sem meta, sem objetivo, amoral, não há mais vitórias; em tudo vai se fazendo o próprio fazer. Ninguém sente mais o cheiro, as retenções dos músculos da face. A vida transcorrida na internet é de ausência do comunitário e da consagração da individualização das coisas. A rede social agora serve para dispersar.

Em relação de co-presença, até as piadas politicamente incorretas precisam de coparticipação, senão a própria piada fica sem sentido e a risada surge da atitude meio sem graça. Na internet, os vídeos mostram pessoas distantes, e ainda que haja interação a coparticipação se dilui no ar.

Em tempos de eleição municipal, não há quem fale que o mais intenso será propagado pelas redes sociais. E aí chegam os ocupantes do vazio e apresentam a segunda-feira como início de semana e proclamam a benção para o tempo a seguir. Fino vazio de conteúdo, não fazem mais do que ocupar o tempo transcorrido falando sem dizer.

As redes sociais servirão para todos como conteúdo e não pela quantidade de likes, de “joinhas”, de aplausos icônicos. O vazio da internet, como um livro sem capa e sem páginas, somente deixará rastros de memória se implicar em identidade política, em valor social e em esperança arquitetada em organização e planejamento. Fora disso serão tolos a blasfemar asneiras [atenção ao radical].

Vale mais o agudo do ranger dos grampos da rede branca que sustenta o corpo e concede conteúdo. Não imagine que usar as redes sociais seja autossuficiente: ela é meio. O conteúdo é algo que prescreve outras necessidades.

 

 

Sugestão de trilha sonora: PARABOLICAMARÁ 

Artista: GILBERTO GIL

Álbum: PARABOLICAMARÁ

Data de lançamento: 1992



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