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O DESTINO, O CONTROLE

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Não somos seres selvagens. Todos os dias, ao acordarmos, há um projeto sobre como as coisas vão acontecer. E, como que por encanto, as coisas se revelam mais ou menos como tínhamos projetado. Isto nos permite viver dia após dia em situação de autoconfiança e controle. Somos a única espécie que pensa sobre o futuro, por isso temos desejos e esperanças.

Quando ficamos sob ameaças, tentamos sempre voltar ao controle das coisas. As ameaças surgem por não controlarmos determinados resultados da vida no trabalho [uma reunião inesperada em tempos de encolhimento da economia] ou da vida familiar [um descompasso seguido de DR], ou por riscos advindos de doenças mais graves [e aí muitos se tornam heróis de si mesmos].

Ao amanhecer recorremos ao primeiro sistema de controle: o tempo e seu categorizador – o relógio. Ainda que um dia não tenha exatamente 24h [razão do ano bissexto], aceitamos como sistema de controle a contagem das horas e sua distribuição em tarefas. E assim podemos falar do passado [o hoje menos 1] e do futuro [o hoje e mais 1].

As relações de hierarquia também se nos colocam como princípio vital: qualquer processo de graduação, escala, classificação ou ordenação de pessoas, coisas e relações sociais e políticas são fundamentais para podermos fazer uma coisa de cada vez ou associá-las de modo a fugir do caótico.

Em toda a história da humanidade, quando acreditamos que as coisas estão além de nossos limites de sabedoria ou conhecimento, recorremos a seres superiores. E isso nos diz que sempre e inevitavelmente, as coisas estão sob controle de alguém. Em todos os casos da existência, os processos de organização da vida – biológica ou social – se revelam como controle social. Por nós ou por seres superiores.

Os mecanismos do controle social assumem um caráter organizacional para, ao acordarmos, imaginar o futuro imediato e pensar com tranquilidade sobre o passado imediato. E as coisas fluem como se nós pudéssemos controlá-las. Quando isso se mostra impossível, parece que o mundo fica sem rumo. Mas não é isso: a falta de controle é a ausência de mecanismos que controlam nossas vidas e nos condicionam a práticas seguras.

Se o medicamento não existe para determinada doença – AIDS nos anos 80, por exemplo, haveria uma condenação prévia aos infectados. Se a política não organiza nossas esperanças coletivas, parece que precisamos voltar na história e colher sementes de autoritarismo para plantar e obter antídotos contra “as pestes”. Se a economia não revigora nossas virtudes materializáveis, então encolhemos nossas pretensões.

O que se abate sobre nossas vidas em tempos atuais é a falta de controle que podemos expressar sobre nossa manutenção social, econômica e biológica. Estamos no exercício de contrapressão, exigindo dos sistemas de controle social respostas para que possamos nos manter controlados.

Os sistemas de controle têm em si elevada autonomia, como o dinheiro [elemento de conversão de todas as coisas em quantidade organizada e compensável], a religião [como mecanismo de pacto moral sobre o bem e o mal], a educação [como processo de socialização das pessoas para o conhecimento], a política [como recurso institucional de moderação de poder e do curso das ações de desenvolvimento moderno]. Não controlamos o dinheiro – apenas contamos e usamos. É ele que nos controla!

O que desejamos é que a ciência nos dê respostas à nossa aflição pandêmica, que a política dê equilíbrio ao desenvolvimento, que a economia dê condições de materialização de nossos desejos. Todo o resto é vaidade pelo poder individual ou de pequenos grupos. Trabalho para consumir o que é possível, e vida segura e relativamente livre para seguirmos sob controle: controlando os instintos mais primitivos!

 

Crédito de Imagem: Google Imagens

 

Sugestão de trilha sonora:  Morena de Angola

Artista: Clara Nunes

Compositor: Chico Buarque

Álbum: Brasil Mestiço

Data de lançamento: 1980



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