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O HERÓI E O MAL QUE ELE FAZ

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Os filmes de heróis constituem uma forma de cultura sobre nossas próprias angústias sociais e políticas. O herói sempre aparece, e ao aparecer é sempre a hora certa de surgir. Luta contra o bandido, o malfeitor, o diabólico aparentemente em nome da salvação de um povo. Povo que é um amontoado de pessoas sem força de combate, com fragilidade na organização, sem poderes especiais para traçar sua própria luta e conquistar sua própria salvação.

O herói então, ao tentar reluzir a salvação, passa para o estágio das próprias dificuldades. Durante o combate os obstáculos do herói parecem indicar que ele será derrotado. Sofre, apanha, fica à beira da eliminação. Diante de suas próprias dificuldades, ergue-se novamente, dá um salto para cima e para frente e, com a inspiração mitológica, supera seus limites, suas dores, e avança sobre o inimigo.

O bem que está em jogo é o nosso próprio bem, daquele que assiste ao desesperado conflito. O espectador vira torcida e o resultado será também o seu próprio resultado. Opina, se move, se reposiciona na cadeira e.... suspira, vibra e assume o ar de satisfação do vitorioso. O bandido, maldade em carne e osso, em aço e truques, é abatido, aprisionado ou, ao reconhecer sua derrota, jura vingança, na sequência de uma gargalhada revoltosa: “eu retornarei”.

O herói combativo, é apresentado como um super-humano, um superorgânico, um deus mitológico que dispensa a luta em conjunto, se mostra autossuficiente, e transforma todos os “fragilizados” em testemunha de seu próprio caráter benevolente. Deseja o combate para salvar todos os seus representados e assume para si toda a guerra. Não quer o poder para si, mas o tem em nome dos fragilizados. O mal é corporificado em um ser deformado, com arranjos metálicos, capcioso em planos, de caráter individualista. Deseja o poder para submeter os outros aos seus prazeres, necessidades e comando: o poder pelo poder.

Diante deste cenário a população é vista transfigurada pelo temor, medo e passividade. Incapaz de reagir, passa a depender do herói e a torcer contra o mal. Há em todos a insegurança, a incapacidade de luta, o clamor por um defensor sempre maior e melhor do que qualquer indivíduo mortal [heróis não morrem e, apesar de sempre jovens, são tão velhos como a eternidade].

Não poderá haver Democracia num lugar que dependa do heroísmo e numa população que se sinta sempre insegura diante da imortalidade do mal e do malfeitor. Democracia de heróis é exatamente igual à dependência. E a dependência cria como filhote o clientelismo: a política como processo de troca, temperada com o medo. Que o diga a estrutura de cargos comissionados, arrecadadora de dependentes pagos com o dinheiro de impostos que saem de nossos esforços. Afinal de contas, os heróis não produzem riqueza.

A política do heroísmo é gerada contra o mal à espreita, nada mais restando aos cidadãos que ainda não nasceram. A Democracia é uma conquista coletiva, que dispensa heróis, que refaz seu próprio caminho e que não luta contra o mal e nem se esconde dos seus medos.

 

Sugestão de Trilha Sonora: SOMOS O QUE PODEMOS SER

Artista: ENGENHEIROS DO HAWAII

Álbum: OUÇA O QUE EU DIGO: NÃO OUÇA NINGUÉM

Lançamento: 1988

 

Crédito de Imagem: Pinterest



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