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O MAL INVERTEBRADO DA VERDADE

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Talvez um dos principais problemas para se pensar um fato, um fenômeno qualquer, seja a pressa de se concluir logo uma sentença. Cheia de fumaça lacrimejante, a finalização de um conhecimento é a sua própria limitação. “Eu sei o que é” revela mais sobre QUEM FALA do que sobre DO QUE SE FALA.

Quando se sabe conclusivamente sobre um fenômeno a dúvida é levada à morte e caberá ao conhecedor a imposição de “sua verdade”. Verdades não têm serventia ao conhecimento, somente àquele que a detém. Como missionário, carrega para si o peso de ter que sustentar o fardo da salvação. Pesada, imutável, desgastante, corrosível, a verdade impede o avanço.

Eis porque o conhecimento serve para se sobrepor às pessoas, tal como as instituições. A necessidade de domínio [posse ou propriedade de algo ou de alguém] e de comando [necessidade de dar a direção às ações] refletem o desejo pelo poder pessoal e pela direção dos fatos [autocracia]. Se sei o que é a verdade, o caminho a ser percorrido será mapeado por mim: “sigam-me”! Em se tratando de mortais, a arrogância é parente próxima dos medos individuais.

É a busca pela dúvida que provoca o passo seguinte do conhecimento equilibrado em argumentos e não em preferências posicionais pessoais. Tudo o que imagino saber deve me conduzir a perguntas novas e mais bem qualificadas, e não ao encerramento do que se poderia conhecer sobre as coisas que ocorrem ao nosso redor, com ou sem nossa participação. Conhecer é saber fazer perguntas.

Quem já sabe, deixa de pensar. Aqueles que se fazem, não por suas virtudes, mas pelos erros dos erros, tiram selfies de seus próprios demônios instalados em sua trajetória social. Impelir à caminhada o dedo em riste pela condição de “Eu Juiz”, “Eu sei que é assim” não é demonstração de força, mas de fraqueza.

Seguir, como animal em rebanho, por instinto ou desejo de vingança, nos leva ao mais imbecil dos instintos primitivos: a necessidade de eliminação do conflitante. Traços sociais e políticos do Faroeste Caboclo, a incapacidade de reflexão leva as mãos ao gatilho. Em tempos modernos, a Política baseada em Duelos de Faroeste apenas elimina, destrói; não constrói, não edifica.

Tudo o que eu possa conhecer, deve, necessariamente, me causar uma mudança pessoal; do conhecimento devo requerer transformação espiritual. É a descoberta que nos move, e não a verdade. Esta nos paralisa e nos transforma em superpoderosos; mera mediocridade humana. O impulso à reflexão nasce na dúvida, no cordão umbilical carregado de perguntas (*).

Quando passamos a tratar a Política pela certeza da razão, procriando lugares nominados por Governo e Oposição perdemos a doce fragrância da reflexão, de se pensar por argumentos e de se aceitar a controvérsia argumentativa. O que percebemos é que, no geral, as cabeças estão cobertas por posicionamentos políticos bordados com estrelas da verdade. Fácil, assim, acusar. Difícil, assim, de refletir. Defesa contra o ataque, ataque contra a defesa: não dá para avançar posto que os limites não estão nos pés.

 

(*) “Uma descoberta objetiva é, logo, uma retificação subjetiva. Se o objeto me instrui, ele me modifica. Do objeto, como principal lucro, exijo uma modificação subjetiva” [BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Ed. Contraponto: Rio de Janeiro, RJ; 2005, p. 305.

 

Sugestão de trilha sonora: Faroeste Caboclo

Artista: Legião Urbana

Álbum: Que País É Este

Ano: 1987

 

- Créditos foto: Pinterest Brasil

- Créditos audiovisual: Youtube



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