O MILAGRE E OS SANTOS
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Há pouco se viu uma onda de purificação dos Partidos Políticos pelas vias da anistia ampla e beatificadora concedida pelos congressistas. Como água fervente em ebulição, os problemas sumiram. Em ato de misericórdia, os anjos das Emendas Constitucionais bradaram todos os ritos e celebrações, as graças foram encaminhadas e o milagre da santificação política operou o sacro. Os descumprimentos sobre o financiamento de campanhas de cotas para negros, mulheres e indígenas se desintegraram; todas as irregularidades de prestação de contas dos partidos se dissiparam no ar; e, como necessitados, os Partidos poderão arrecadar recursos de empresas para pagar alguns percalços financeiros.
A bondade da Divindade Congressual é capaz de retorcer a moral e os bons costumes, exorcizar o espírito republicano como quem centrifuga toalhas, e definir o Plano Superior do Bem e do Mal em espelhos. Essa é a empatia de si mesmo [sic]. Há mundos nos quais as pessoas se arrancam da cama para trabalhar e estabelecer sua carreira humana e social, comer e ter um pouco de virtudes, risadas, cansaços e dignidade. Neste mundo não há divindades próprias ou arranjos milagrosos feitos para si mesmo e por si mesmo – é o trabalho. O Eleitor é, nos dias que se seguem para viver a Política, um pecador!
Quando tudo parecia suficiente e oportuno pela sacra anistia, logo se pensou na Água Benta para que os corpos politicamente expostos se protegessem dos diabólicos críticos. Estes não descansam nem um segundo em sua jornada de desgraças a apontar as condutas Clientelistas e Patrimonialistas às quais os políticos são “obrigados” a se submeter. Contra a tortura de todos os dias já havia a imunidade parlamentar como uma redoma para a liberdade política sem que anestesistas lhe diminuam os comportamentos.
Foi preciso mais: a despeito de todas as leis e arranjos morais sobre como se proteger de agressividades e pessoas violentas, ditame semelhante para cada ser humano vivo, a Lei da Água Benta deverá punir com mais rigor aqueles corpos politicamente expostos que, em situações públicas ou privadas, sejam apontados como inoportunos de modo constrangedor. Políticos são seres “vulneráveis” e “desprotegidos”, “sofrem” por sua “entrega aos interesses coletivos” e são “carentes” de proteção e recursos materiais ou financeiros. Famintos de poder e “desnutridos” de forças elaboram arranjos santificadores de suas almas coletivistas.
Imunizar e anistiar não são formas de enfrentar o espírito republicano que precisamos ensinar aos eleitores, aos concorrentes eleitorais e aos eleitos. A Democracia requer a aproximação, e não o distanciamento, entre representantes dos outros todos [os políticos eleitos para todo e qualquer cargo] e os representados tão valorosos em processos eleitorais e tão distanciados em tempos de gestão pública [a população de forma geral].
O caminho das beatificações políticas restritas e privilégios trilhado em nossa história política recente é contrário ao Espírito Republicano, à Cidadania, à formação de cidadãos politicamente desenvolvidos e à geração de Democracia. São escadas à salvação política feita de sabão e cera em pleno sol.
Nem São Jorge, Nem São João, nem Tereza de Calcutá, nem São Francisco de Assis poderiam ter tanto poder de “cura” e acesso aos milagres. E nunca fizeram para eles, senão para os outros todos.
Sugestão de Trilha Sonora: MISS SARAJEVO
Artista: U2
Autor: PAUL DAVID HWSON, ADAM CLAYTON, LARRY MULLEN, DAVE EVANS, BRIAN PETER GEORGE ENO
Álbum: ORIGINAL SOUNDTRACKS 1
Ano de Lançamento: 1995
Crédito de Imagem: PINTEREST