O PROFESSOR E O ERRO
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
O ser humano não é um espectador passivo a esperar que a natureza imponha suas leis sobre seu corpo. O indivíduo constrói sua forma de viver e “modela” seu organismo ao seu estilo de vida. Este ser criativo que forma sua vida social e condiciona seu corpo às maneiras sociais de viver imagina-se, logo, superior: “Eu posso tudo!” Volta a si, como ser fisiológico, quando a pele sangra e a dor contrai sua musculatura. Enquanto ser social, o humano fica entre o ajuste das leis da natureza e a conduta de autonomia e autodeterminação política e social. Desgarrado da natureza, acredita que poderá produzir e escolher qualquer caminho. Tolo!
Com o tempo passa a aprender – quando aprende – que cada solução de problema ou satisfação individual traz consigo consequências imprevistas e efeitos colaterais não imaginados, novos problemas, e a implacável coerção das leis naturais sobre a vida social e física. Isso exige descobertas criativas, convívio com situações negativas e possibilidade de amadurecimento psicossocial. Ou o embrutecimento, as revoltas, a falta de entendimento completo sobre o mundo que está à sua volta. Sem entender que é causa dos efeitos que sofre e que vive, o ser social imaturo grita e vira juiz do mundo e dos outros. Não pode enxergar a si mesmo: esconde-se sob a pele. Daí seus gritos e suas revoltas. Essa escassez de realismo como capacidade de compreender o que lhe ocorre é, em boa parte, resultado de sua trajetória social, como abusos, violências... Valha-nos os psicólogos!
O mundo físico, o mundo social e o mundo dos fenômenos psíquicos, constitutivos do espírito humano, vão se mostrando por sua imposição e se demonstrando pelas formas de agir, sentir e pensar dos indivíduos. Se você tem a verdade e é capaz de julgar os outros sem se ver no próprio julgamento, então você estaria propenso a ser uma árvore, plantada no mesmo solo, com as raízes no mesmo lugar. Se você é capaz de ouvir os outros e se colocar em autopercepção, a observar seus próprios atos, você é capaz de caminhar na vida de forma leve e livre [relativamente livre], sem o peso de ter a verdade firmada e o julgamento deterministas dos dedos apontados e no salivar dos gritos.
Para o mundo social, a certeza, de modo geral, é uma burrice; a verdade, como raiz de um fato, é uma tolice. Ter que carregar certezas e verdades e passar a condenar o mundo e as pessoas, posto que quem as tem para si, gera a autoafirmação de superioridade, julgador e capaz de dizer todos os “porquês”. Com seu vocabulário de guerra, apresenta suas armas: distúrbios e insanidades, agressividade e violências. Vejam-se as redes sociais.
A falibilidade e a suscetibilidade ao erro e ao engano é o princípio da capacidade humana de aprender, conhecer, tolerar. É o erro que ensina, que possibilita a superação, que engrandece. As certezas e as verdades autoproduzidas são os fundamentos da intolerância, da estupidez, da grosseria, das revoltas, das iras. Tudo isso ancorado na estrutura psíquica não permite a maturidade social, a aceitação que fora de mim existe um mundo maior e diverso, diferente, distinto. Tudo isso lhe causam perdas. Não o erro que aponto aos outros e, na virada do relógio, os cometo, mas o erro que me ensina a viver em “saúde social”, com leveza por não ter a certeza! O erro é meu amigo. Não os dos outros: os meus!
Sugestão de Trilha Sonora: FRIDAY I’M IN LOVE
Artista: THE CURE
Autor: BORIS WILLIAMS, PERRY BAMONTE, PORL THOMPSON, ROBERT SMITH, SIMON GALLUP
Álbum: WISH
Ano de Lançamento: 1992
Crédito de Imagem: PINTEREST