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O TEMPO NÃO PARA

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Abri a porta do início do ano e revi a vida.  A transição do tempo social, a imaginação social do tempo futuro nos faz obter o sentimento de esperança ainda que o cenário possa ser desolador, monocromático, adverso às nossas vontades e contrários aos nossos interesses. Ainda assim, imaginamos saídas ou escolhemos novos trajetos.

Enquanto o hoje nos empurra para o amanhã, vamos lutando pelas nossas esperanças, ainda que o amanhã somente possa chegar depois de amanhã [Fernando Pessoa]. É na política que se travam todas as lutas. Política como um espaço ou um ambiente capaz de organizar a gestão dos interesses e dos conflitos, dos campos de força e dos campos de luta. Política como forma de organizar a conduta pessoal e coletiva.

Neste sentido, política sempre será um campo de ação coletiva, de posicionamento pessoal relativo a outros. Política não pertence e não pode pertencer a um indivíduo. Sempre será a relação entre eles, nunca cada um deles. É um mundo invisível, cheio de magias e feiticeiros.

Em nossa cultura a política ainda tem contornos da Idade Média, relegada a profissionais da política e ocupantes de cargos eletivos. É na Modernidade que surge a figura política do ”cidadão e cidadania”, indivíduo e corpo coletivo carregado de interesses e vontades políticas e com instrumentos de influência nas tomadas de decisões daqueles que representariam sua “luta e esperança”.

Esse “senhor” chamado “cidadão” ainda não aportou em nosso cais, nem pousou em nossas pistas, nem desembarcou em algum terminal rodoviário. Em muitas tentativas foi multado por excesso de velocidade (autoritarismos de esquerda e direita), esteve embriagado de vitórias nunca efetivadas (desilusões petistas), ou ficou à deriva num mar imenso sem porto de chegada como um bêbado vagando sem passado e sem futuro.

Por ora é a crise moral sobre políticos que nos alimenta a esperança de colocar nossos dias no desenvolvimento das cidades, de nos envolvermos na política como uma arena para a qual nós mesmos podemos dar os contornos e os conteúdos. Tudo isso num movimento que desloca dos centros de poder a legitimidade da ação coletiva.

A crise moral (“não confiamos mais nos políticos”) e financeira (“prefeituras estão inchadas de tantos cargos efetivos e comissionados”) faz com que grupos de pessoas possam se organizar, debater seus interesses (que são politicamente legítimos) e interferir nas tomadas de decisões sobre o futuro comum, nos acalenta para a abertura de um novo tempo.

Tempo de cidadania que somente pode ser construída pela luta das pessoas e não pela concessão do Estado. Um período que nos vislumbra com a força daqueles que chegam correndo à frente do sol e, cansados, ficam orgulhosos (mas não vaidosos) pelas conquistas, pelas lutas, pelo aprendizado que as adversidades lhes ensinam.

Tempo que não para quando o “cidadão” passa a construir a cidadania e faz com que eleitos e profissionais da política possam se ver no espelho: “Prefeito você não manda, você representa nossos interesses”. Podemos traçar, com nossos pés e mãos, um novo caminho para que o amanhã ainda carregue a esperança de uma vida coletiva e individual melhor. Com o orgulho do cansaço de uma luta que nos permite um fim de dia revitalizador, amparados no suor da virtude pública. Vivas ao cidadão que está por chegar!

 

 

 

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A música "O Tempo Não Para", integrada no álbum com o mesmo nome, de 1988, é um dos temas mais famosos do cantor Cazuza. A letra da canção, possui  autoria de Cazuza e Arnaldo Brandão e  faz um retrato do seu tempo. Fala das contradições da sociedade brasileira que, já livre da ditadura, permanecia moralista e conservadora.

 

 

 



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