QUÍMICA POLÍTICA: MUDAR OU “MUDAR”
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Muitas vezes nossa memória sobre nossa história política tem como alcance o período de governo militar [1964-1984] sem nos importarmos muito com nossa formação política. Muito mais do que críticas ao período militar, nossa trajetória política remonta a fatos e conteúdos de constituição da sociedade muito além dos períodos recentes.
E uma das características de nossa formação política é a distância social entre os membros da população (desapropriadamente chamados de cidadãos) e as instituições que estruturam nosso Estado. Como organizador moderno da vida em sociedade, cabe ao Estado fornecer estruturas (se fosse uma casa todas as vigas e paredes) e sua dinâmica (qual a funcionalidade de cada espaço e como serão operados).
Certa vez ouvi uma pessoa, diante do Fórum de Justiça pronunciar a seguinte frase: “Falei com meu advogado e tive que ir até o Fórum, e lá vi como as coisas são difíceis de acontecerem”. Evidentemente que a lógica de funcionalidade do Fórum é muito diferente daquela da vida cotidiana. Mas estar fisicamente próximo ao Fórum não implica em estar socialmente ou politicamente próximo de sua dinâmica ou de como ele funciona. E isso serve para todas as instituições, especialmente as de representação política “dos interesses coletivos’.
É fato corriqueiro que as pessoas não estão mais interessadas em tentarem ser integradas às dinâmicas dessas instituições por várias razões. Talvez, as mais relevantes sejam aquelas que abordam a dificuldade de as pessoas se integrarem aos processos de funcionalidade das instituições. Na prática, suas formas de funcionamento são impenetráveis às pessoas. Ir a uma sessão da Câmara de Vereadores não significa que as pessoas participam de suas ações. Tão-somente são legitimadores do que “os vereadores fazem”. Neste sentido, os vereadores não representam os interesses das pessoas, mas apenas atuam (como numa peça teatral) no jogo dos atos políticos de interesses dos próprios partidos políticos e suas posições frente ao governo: situação ou oposição (já é esqueleto esquerda e direita).
Tudo isso implica na necessidade de mudar estruturalmente as instituições que formam o Estado. Todas elas estão programadas para deixar de fora as pessoas ao invés de integrá-las; estão formadas para ignorar seus interesses, ao invés de representá-los; estão orientadas para liquidar a cidadania, ao invés de exorbitá-las; estão fixadas para si mesmas, e não para a sociedade.
Isso faz com que o eleitor seja um ser social muito diferente do cidadão. Assim, somente durante o período eleitoral e quando de campanhas de disputa de voto, a pessoa maior de 18 anos (ou 16 com título de eleitor) é chamado para integrar a política e as eleições. Alguns proclamam a cidadania afirmando que a eleição é “a festa democrática”: neste caso uma grande bobagem.
O que ocorre no momento são inoportunas mudanças para manter a finalidade das mesmas estruturas, na base do “mudar para deixar como está”. Uma Reforma de Estado, por meio de uma Assembleia Constituinte específica, seria capaz de cumprir uma reorganização estrutural de Estado. E talvez a única forma política e socialmente legítima de instruir suas formas de funcionalidade. Só então iniciaremos “compostos químicos de política libertadora” com “moléculas para tecidos de cidadania”.
Crédito da imagem: Roque Sponholz (www.sponholz.arq.br)