SABEDORIA E CONHECIMENTO
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Para vivermos num grupo social, numa comunidade ou em uma sociedade é necessário um conjunto de habilidades. Saber como atuar com os outros é um aprendizado social que é assegurado por valores e regras culturais. Desse modo acumulamos a sabedoria de executar tantas práticas que, ao fim, construímos uma sociedade. E são exatamente essas regras e valores que constroem nossa identidade (o que somos).
E para que tudo isso aconteça você não precisa percorrer nenhum curso universitário e nem mesmo, para alguns casos, saber ler ou escrever. Viver em grupos sociais requer ser “formado” pelo grupo e para o grupo. E todos esses saberes não são transformados em discursos claros e pedagógicos capazes de servir como um “livro de iniciação social”. São as práticas e as observações sobre as práticas que ensinam. É o que você faz que ensinará seus filhos a fazer o que fazem, e não somente suas orientações discursivas diretas sobre o que deveria ser feito.
Quando uma pessoa imagina preparar um almoço para a família ou amigos recorre a uma imensidão de saberes adquiridos em sua trajetória social. A primeira atitude é organizar suas atividades no tempo disponível e administrá-lo ou, propriamente, estabelecer um plano estratégico de ação. Logo após o café da manhã e a higienização da cozinha, as pessoas recorrem ao mercado para adquirir os suprimentos necessários para a preparação da alimentação. Isso deverá ocorrer até as 10:00h. Essa é uma decisão fundamental.
As escolhas sobre o que será adquirido para o almoço é uma decisão política. Logo se imagina o que as pessoas preferem, os sabores que agradam, o que é repudiado pelos convidados (como pimenta ou outros produtos). Além disso, procura-se surpreender os membros como algo que pudesse indicar o quão são queridos e bem-vindos.
Além do plano estratégico sobre o tempo disponível (ainda que nunca tenha cursado administração) e as decisões políticas assumidas (sem mesmo saber que existiria cursos de ciência política), é importante conciliar os desejos com os recursos necessários (e isso sem ser um economista). Se tenho R$ 100,00 para alimentos procuro produtos com valores que possam suprir as necessidades sem extrapolar os limites orçamentários.
E durante todo o percurso há as decisões estéticas sobre o preparo dos alimentos e sobre sua disposição à mesa. Não costumamos preparar os alimentos e colocá-los de qualquer maneira à mesa, senão que escolhemos o lugar “apropriado” para cada alimento e de acordo com cores e temperaturas. E a mesa fica “linda”.
Não fosse tudo isso um conjunto amplo de sabedorias aplicadas, há ainda as relações de poder que surgem. Primeiro pela disposição de cada um à mesa, isto é, o lugar onde se senta representa a escala social de poder. Eis porque se diz que sentar-se na cabeceira indica quem pagaria a conta. E esta é a posição territorial mais estratégica pois se “controla” ou se observa a todos (e a cada um) ao mesmo tempo.
O mesmo se pode dizer das “técnicas” de pescaria utilizada por aqueles que usam embarcações e equipamentos de pesca para lazer com alguma sofisticação num confronto com a sabedoria prática de um pescador tradicional e sua capacidade de “ler” as condições de pesca: as chances de sucesso e a quantidade de esforços de cada um revelam-se mais proveitosas ao tradicionalismo da pesca.
A sabedoria de todos os dias não é científica. É claro que sem a ciência não teríamos avançado aos estágios atuais da civilização moderna e seu conhecimento crítico acumulado. E é evidente que a ciência e seu mundo é um encanto especial para aqueles que praticam a ciência em seu mundo (fora dele em geral são muito chatos). Mas é no dia a dia, com as pessoas que não têm consciência discursiva sobre o que fazem (ou não apresentam um decálogo às práticas), mas estão capacitadas para viverem em grupo (consciência prática) que estabelecemos nossas crenças e passamos a acreditar na solidez da vida, e na espiritualidade do dia de amanhã.
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