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TEMPOS DE FORÇA

 

 

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Aos leitores: não há neste artigo quaisquer juízos de valor sobre a política, apenas um esforço analítico sobre os tempos políticos atuais. Compreender não implica em concordar ou discordar.

Ao se fazer uma observação pregressa da trajetória política, como recurso de análise, percebemos “etapas” de consolidação da vida. Em alguns casos, essas etapas correspondem a momentos de grande dificuldade que foram assimilados pelos indivíduos como necessidades, mesmo que pudessem contorcer as liberdades.

Já na Roma Antiga, a Dictadura era uma instituição criada pelo Estado para superar os momentos de crises. Ao Dictador, com autoridade institucionalmente legitimada com prazo determinado, se concedia poderes absolutos para que tais períodos difíceis pudessem ser superados. Considerava-se que os interesses de grupos não poderiam ser convocados em estágios de depreciação das instituições políticas. Havia uma meta objetiva: resolver os problemas, invertendo a balança da liberdade em nome da necessidade.

No decorrer da história política, o termo ditadura assumiu outros sentidos e seu uso foi relacionado a tomada do poder por meios ilegais, por impostores e sem o vigor das instituições e dos prazos de sua prevalência tal qual na Roma Antiga.

Considerando este aspecto, o momento atual da política no Brasil parece estar no processo da Dictadura Romana. O estágio de modernização tardia do Estado Brasileiro [período FHC – com estabilidades política e econômica] seguido pelas políticas de Inclusão Social [período Lula – com ampliação de políticas de inserção das pessoas no processo de consumo], foram os momentos de grande desenvolvimento social e econômico mais recentes.

A despeito desses momentos, ocorrera um sentimento amplo de traição por causa de descoberta de corrupção inimaginável. Essa traição fora acompanhada de um irreversível composto de humilhação. As fraquezas políticas dos interesses individuais foram expostas como fraturas aparentes, cuja dor foi acomodada nas eleições presidenciais.

Nesse arranjo químico da política, o principal representante de luta e enfrentamento fora o então candidato Jair Bolsonaro. Encarnou a forma de luta de tal modo que o atentado que sofrera foi parte da guerra proclamada entre as partes. Ali se consolidou como figura de oposição, enfrentamento e superação da humilhação até então insuportável. A necessidade, portanto, era resolver o problema da facada que o povo sofrera, dada pelas costas e sem piedade.

Por meios legítimos, Jair Bolsonaro se tornara Presidente da República e, como na Roma Antiga, assumiu o papel de resolver os problemas que afligem a população: a humilhação. Em nome da necessidade, diminui o papel da liberdade política, assume posições pessoais, provoca inusitadas declarações e, ainda assim, não fere o processo “missionário” de eliminação das dificuldades. Aponta para o Partido dos Trabalhadores e aliados, seus opositores mais evidentes, para marcar as causas de sua política.

É um Presidente cuja força não se localiza em sua política de desenvolvimento, mas na forma de combate às ameaças de degradação da política como valor de convívio. Não precisa conhecer de economia, de legalidade institucional, de saúde ou educação públicas ou de qualquer coisa em especial. Pode mesmo ser medíocre em alguns casos e confuso em outros. Enquanto tiver diante de si uma oposição para o combate contra a degradação política pode assumir as posições de Ditactura Romana, de Dictador e, apesar do século XXI, será tatuado na história.

Gritem-se aqui e ali, demonstrem-se as desventuradas declarações presidenciais, desvendem-se as fraquezas governamentais, quebrem-se as idolatrias ministeriais, ataquem-se seus déficits democráticos.... nada disso parece atingir o governo – são elementos de guerra. E esta será mantida enquanto houver a oposição ameaçadora. E para quem sonha com a democracia, dorme com o cobertor da ética e se aconchega na liberdade democrática, os tempos serão difíceis. Tempos que ferem as regras da lógica planificadora e das regularidades desejadas da racionalidade.

E esse contexto deverá prevalecer nas eleições municipais que batem a nossa porta: uma guerra contra as ameaças sem os satélites da democracia amadurecida.

 

 

 

Sugestão de trilha sonora: O Quereres

Artista: Caetano Veloso

Álbum: Velô

Data de lançamento: 1984

 

 

 

 

 

Crédito imagem e audiovisual: Ilustrassom/youtube



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