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VIVA O RÁDIO AUDIOVISUAL

MEDEIROS, Daniella

Jornalista

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

O ciclo permanente de crise que parece ter se instalado em nossa conduta e em nossa forma de perceber os dias de chuva e de sol gera sentimentos difusos e, às vezes, pode se confundir com desesperança pessoal. E, ao mesmo tempo, desconsideramos ou desconhecemos o domínio social das relações sociais.

Primeiro porque os usos virtuais da vida, até mesmo para amizades clicadas, revelam-se num mundo segundo o qual cada um estabelece mais escolhas pessoais e, com isso se protege do indesejável, do coexistir com o outro ou no outro. A internet não é um mundo que permite tudo, mas um cenário no qual eu transito por vias que são frutos de minhas fugas de autoproteção, num dispositivo “quero-não quero”, “gosto-não gosto”.

As redes sociais permitem que todos se comuniquem muito mais e de forma sempre abreviada. E ampliam as formas de expressão. Mas o problema parece ser o fato de que ninguém mais ouve os outros. O que se diz ou é uma mera transmissão de algo já feito (vídeos ou áudios de piadas, por exemplo) ou uma pequena parcela de expressão com “carinhas” e "mãozinhas” que revelam sentimentos (emojis). Palavras se tornam cada vez mais escassas, exposição física da comunicação extremamente controlada (métrica, tom de voz, gestos...).

Parece ser crise também porque não acessamos mais o futuro. Outrora, quando alguém tivesse que datilografar um pequeno texto teria que fazer todo o plano de conquista da comunicação e da expressão. Atualmente, pelo instantâneo das existências, tudo pode ser refeito a qualquer momento. E o mundo se torna sem compreensão direta pois nada é definitivo ou parte de um plano para conquistar o futuro. As condições de uso de internet e computador (com suas inumeráveis vantagens), tornam as pessoas descontínuas das outras (cada um é cada um), descompromissadas de suas trajetórias (cada um tem seus problemas), num processo civilizatório que bloqueia o sentimento de solidariedade.

É uma desconfiguração imaginar que a falta de relacionamentos e intermediários pode melhorar infinitamente nossas vidas. Todas as conquistas de liberdade da juventude (ninguém é de ninguém) se tornam solidão nos breves 40 anos. E como os modelos já estão dispostos e impostos (não dá para usar o computador senão na forma permitida dos sistemas operacionais), acrescido do fato de que não estamos com as pessoas e, portanto, desconsideramos a expressão humana como comunicação, nos portamos como se fossemos poderosos ao “dominar” as redes sociais. E isso nos basta!

As redes sociais geram a sensação de que tudo é no presente, de que o futuro não precisaria ser imaginado. Isso porque confundimos mensagens como ação, poder e conquista. Nas redes sociais estamos sempre só. Produzimos selfies como troféus, e continuamos sós. E subestimamos os valores e a importância de nos comunicarmos em copresença.

O que surpreende a muitos (e aos autores deste artigo) é que os próprios programas de rádios estão atribuindo à expressão humana a copresença na medida em que interagem com os ouvintes por transmissão audiovisual pela internet. E neste caso como um meio de comunicação e não como um mundo para a existência.

Quando deixamos de ter amigos que tentam compreender nossa vida com abraços; quando deixamos de obter sorrisos como respostas e permissão; quando nos faltam palavras ao cair de lágrimas de alguém; quando não se torna fácil andar demãos dadas; e quando tudo isso é emoldurado em selfies como conteúdo; quando estamos sós, somente cada um poderá sentir a sua dor e a sua alegria. Dor solitária é um grande problema; gargalhadas sozinhas é quase nada.

Celebremos os amigos, vivamos vendo os outros diante de nós! Viva o rádio audiovisual!

 

 

 

Crédito da foto: Filme "ELA" de 2014.

"Passado em Los Angeles num futuro próximo, “Ela” conta a história do introvertido Theodore (Joaquin Phoenix), um profissional especializado em redigir cartas, recém-separado, que se apaixona pela voz de um sistema operacional dotado de inteligência artificial."

 

 



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